Dr. Paulo Pittelli - Cirurgião do Aparelho Digestivo

Doenças e Tratamentos

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Doença do Refluxo Gastroesofágico

O refluxo gastroesofágico se caracteriza pela migração de parte do conteúdo do estômago (ácido gástrico e bile) para cima, em direção ao esôfago.  Isto acontece diariamente em praticamente em todas as pessoas. Particularmente após as refeições, uma pequena quantidade do líquido comumente reflui do estômago para o esôfago e é chamado de refluxo fisiológico, não caracterizando nenhuma doença. O refluxo gastroesofágico fisiológico não causa problemas, pois sua freqüência e duração são curtas e porque a saliva que deglutimos “lava” o esôfago constantemente.

A camada de revestimento interno do esôfago que é chamada de mucosa não está acostumada e adaptada a receber refluxo ácido constante e de grande intensidade. Quando isto acontece e acaba trazendo sintomas ao paciente temos a DRGE.

Chamamos de esofagite a inflamação da mucosa do esôfago causada pelo refluxo. Os sintomas da DRGE não advêm apenas da inflamação do esôfago, podendo ocorrer quando o refluxo atinge a laringe, as cordas vocais, a faringe, a árvore traqueobrônquica e os pulmões.

A DRGE é freqüente, acomete igualmente ambos os sexos e não faz distinção de raças. É mais comum após os 40 anos, mas acontece em todas as idades.

 

Para ficar mais claro porque acontece o refluxo vamos fazer algumas considerações:

Na transição esofagogástrica, ou seja, no final do esôfago, existe uma estrutura muscular semelhante ao ânus chamada de esfíncter esofágico inferior (EEI). Quando deglutimos o alimento, o EEI se abre dando passagem ao bolo alimentar. Na ausência da deglutição o EEI permanece fechado e tem um tônus (pressão) que impede o refluxo dos alimentos do estômago para o esôfago. A transição esofagogástrica deve se situar no abdome para que a crura diafragmática participe externamente deste mecanismo funcionando como uma válvula.

Quando há problemas funcionais ou mecânicos no EEI temos o refluxo gastroesofágico. Certos alimentos (café, álcool, chocolates), medicações (nitratos, bloqueadores dos canais de cálcio e beta-bloqueadores) e hormônios (progesterona) diminuem a pressão do EEI. A obesidade e a gestação também contribuem para o refluxo, pois aumentam a pressão intra-abdominal.

 

Hérnia de Hiato

O tórax e o mediastino são separados do abdome por uma estrutura fibromuscular chamada de diafragma. O hiato diafragmático é o orifício ou abertura do diafragma por onde passa o esôfago. A transição esofagogástrica normalmente se situa imediatamente abaixo do diafragma e, quando esta está posicionada acima dele, estamos diante da hérnia de hiato:

 

Importante: A existência da hérnia de hiato favorece o aparecimento do refluxo, mas não é imprescindível a sua presença para termos a doença do refluxo gastroesofágico.

 

Quais os sintomas do paciente com DRGE?

Os sintomas da doença do refluxo gastroesofágico são divididos em sintomas típicos (causados pelo acometimento do esôfago) e sintomas atípicos (causados quando o refluxo atinge a laringe, faringe, árvore traqueobrônquica e pulmões). Alguns pacientes não apresentam sintomas ou só apresentam no início da doença e com o passar do tempo apresentam apenas algum desconforto com que aprendem a conviver.

Sintomas típicos: é freqüente a queixa de pirose (azia), que é a queimação epigástrica (“na boca do estômago”) e retroesternal (no meio do tórax), eructações (arrotos), disfagia (desconforto para deglutir) e regurgitação (sensação de refluxo de alimentos).

Sintomas atípicos: tosse, rouquidão, dor no tórax que pode parecer infarto, pigarro e sensação de irritação freqüente na garganta. Menos comumente pode ocorrer asma e pneumonias.

 

Como se faz o diagnóstico?

O médico inicialmente questionará o paciente sobre os sintomas descritos acima. O exame físico não contribui muito com o diagnóstico. Exames de laboratório também não são úteis.

  • A endoscopia digestiva alta (EDA) identifica a presença e a severidade da esofagite e se existe esôfago de Barrett, além de possibilitar a realização de biópsias.

  

O refluxo contínuo e por longos períodos pode provocar mudança do epitélio escamoso do esôfago que é substituído pelo epitélio colunar intestinal (mais resistente). Esta alteração no epitélio (camadas de células da mucosa esofágica) é chamada de Esôfago de Barrett. Esta é uma das complicações mais sérias da DRGE, porque pode evoluir para adenocarcinoma de esôfago (câncer). O paciente que tem esôfago de Barrett tem chance 30 a 40 vezes maior de ter câncer de esôfago do que a população normal.

Classificação endoscópica para esofagite Classificação de Los Angeles:

Grau A – Uma ou mais soluções de continuidade da mucosa, não maiores que 5 mm cada, que não se estendem entre duas pregas longitudinais;

Grau B – Uma ou mais soluções de continuidade da mucosa, com mais de 5 mm cada, não contíguas entre o topo de duas pregas longitudinais;

Grau C – Soluções de continuidade da mucosa contíguas entre o topo de duas (ou mais) pregas, porém envolvendo menos que 75% da circunferência do esôfago;

Grau D – Soluções de continuidade envolvendo mais de 75% da circunferência do esôfago;

 

  • Esofagograma ou Raio X contrastado do esôfago deve ser feito quando o paciente apresenta disfagia para fazer o diagnóstico diferencial com outras causas e pode mostrar a existência e a localização de estreitamentos e de hérnias de hiato.

 

  • A cintilografia esofágica mostra através da ingestão de um radiofármaco o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago e eventualmente para os pulmões e é utilizado principalmente nas crianças por não necessitar de introduzir qualquer tipo de cateteres no paciente.

 

  • Monitorização do pH esofágico ou pHmetria esofágica de 24 horas. Neste exame um cateter é colocado pelo nariz até o final do esôfago. Registra a ocorrência do refluxo, quantifica-o e o médico pode avaliar sua correlação com os sintomas do paciente. É o melhor exame para se definir a DRGE, mas não precisa ser feito quando a EDA define o diagnóstico do refluxo revelando esofagite. Tem ótima indicação quando a EDA não mostra esofagite e o paciente apresenta sintomas atípicos.

  • Manometria esofágica é um exame que mede a pressão em vários pontos do esôfago. Assim, se define a função e contratilidade do EEI e do corpo esofágico. É importante no diagnóstico diferencial com outras patologias do esôfago. Pode ser usada para posicionar o cateter da pHmetria e deve ser feita antes de uma eventual cirurgia.

 

  • A impedância intraluminal esofágica é um método diagnóstico que registra o fluxo retrógrado de conteúdo gástrico, independente de seu pH. Quando combinado com pHmetria (Impedâncio-pHmetria), permite detectar o refluxo gastroesofágico ácido e não-ácido.

 

Tratamento

O tratamento clínico da DRGE é baseado na mudança do estilo e hábitos de vida, no controle da secreção de ácido pelo estômago e acelerando o esvaziamento gástrico.

O paciente deve então perder peso (se estiver acima de seu peso ideal), evitar a ingestão de álcool, chocolates, sucos cítricos e molhos vermelhos. Deve evitar fazer refeições copiosas (grandes volumes), comendo várias vezes durante o dia em pequenas quantidades de cada vez. Não se deitar pelo menos três horas depois das refeições e levantar a cabeceira da cama cerca de 15 cm.

Os medicamentos ideais são os chamados inibidores de bomba protônica (omeprazol, lansoprazol, rabeprazol, esomeprazol), que diminuem muito a secreção de ácido pelo estômago e os pró-cinéticos (bromoprida, domperidona), que promovem o esvaziamento gástrico mais rápido.

O tratamento cirúrgico geralmente é realizado por videolaparoscopia e consiste em se confeccionar uma válvula utilizando o fundo gástrico que é costurado em volta do esôfago. Pode-se corrigir a hérnia de hiato (quando esta estiver presente) colocando o estômago na sua posição normal e diminuindo o orifício do hiato esofágico através da crurorrafia, que é a aproximação dos músculos do pilar diafragmático. 

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Quase 95% dos pacientes ficam livres dos sintomas e de medicamentos com a cirurgia.

A cirurgia para a DRGE tem indicação quando o paciente não se adapta às medidas comportamentais e aos medicamentos ou quando não se obtém o desaparecimento dos sintomas. Se o paciente é muito jovem, com longa expectativa de vida pela frente ou quando este não consegue arcar com os custos do tratamento, a cirurgia deve ser considerada.

O tratamento cirúrgico deve ser individualizado caso a caso e é quase consenso diante do esôfago de Barrett.